quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O Rapaz e a Vagabunda

O rapaz estava escorado de costas no balcão do bar, onde esperava pelo seu copo de cerveja gelada. Onde esperava se livrar do calor, onde esperava se livrar temporariamente dos problemas, onde esperava ter alguma esperança para a noite.



O copo era gigante – para um copo é claro – e cabia nele uma garrafa inteira de cerveja. Daqueles copos que são lindos de se ver, transparentes, transparecendo o quão gelada era a cerveja e o quão amarelo-dourada ela era com sua espuma em cima. De fato, linda. Daqueles copos que esquentam toda a cerveja se mantê-lo cheio em sua mão por muito tempo. Daqueles que te obrigam a beber de verdade, como ele gostava.



O garçom tocou seu ombro alcançando-lhe o copo. O moço pagou e sentiu-se deliciado antes mesmo de tomar o primeiro gole. Colocou o copo à altura de seus olhos, olhou para ele contra a luz do bar, apreciou a beleza temporária daquilo que lhe traria um pouco de paz e desceu o copo a altura do peito novamente, olhando agora de cima para a espuma. Bela espuma, primeiro contato com o gole que já estava lhe causando ansiedade, pois toda a perspectiva da noite começaria com aquele gole, e ele sabia que as coisas não ficariam monótonas àquela noite, tudo se encaminharia.



Então ele balança levemente seu copo em sentido circular e entorna. Ele aprecia, degusta, e engole o melhor gole da noite, com olhos fechados. Quando os abrisse após o gole, tudo estaria bem, tudo ficaria em paz. Eis que desce a cerveja, ele abre os olhos e vê chegando em sua direção a vagabunda. Pronto. Era só o que faltava. Toda a mitificação em torno da cerveja e do primeiro gole vão para o inferno. Esqueçam tudo que foi dito sobre isso. Ele sente a ultima parcela do gole, amarga, como a visão que tem. Ela estava ali de novo, após meses escondida em seu inferno privado.



_Olá – fala o rapaz, forçando uma espontaneidade e alegria inexistente, enquanto levanta o copo em sinal de saudação.



_Oi – responde a vagabunda, em contraste com o rapaz. Nada pomposa, mas também nada sincera – Você por aqui? – Agora sim, um sorriso desconcertante e falso, tão falso que um cachorro se incomodaria com aquilo. Mesmo assim desconcertante.



_Acontece. De vez em quando eu venho mesmo, mas e você? – toma outro gole, lento e paciente, dessa vez sem conseguir se concentrar na cerveja, mas demorando a tirar o copo da boca, em sinal de pouca consideração com a vagabunda. Ele sabia que aquilo a deixava possessa – Pensei que estivesse ocupada. O que faz aqui?



A puta olhando para o chão dessa vez, dando a notar um ar de desapontamento – obviamente de propósito – respira fundo e ergue novamente o olhar para o rapaz e diz de maneira sincera:



PARTE 2

_Eu vim aqui para me encontrar com o Luciano. – a Vagabunda fala então tornando a olhar para o chão, dessa vez sentindo-se um pouco envergonhada – Vamos conversar sobre eu e ele.


Então o Rapaz toma um gole rápido, esboçando um sorriso maldoso, transparecendo o gosto pela situação em que a Vagabunda se encontrava. Enquanto enfiava a mão no bolso da camisa para pegar um cigarro falou:


_Até por onde eu sei não há nada de sensato em uma conversa quando você está envolvida nela.


_De novo isso?


_O quê?


_Vai querer conversar e discutir sobre as coisas que aconteceram?


_Droga. Não entendeu? Não há nada de sensato em uma conversa com você. Menos sensato seria começar a discutir algo com sua pessoa.


_Já está discutindo – disse soltando um sorriso, como quem diz, “há, eu venci”. Desconcertante novamente.


O Rapaz então se sente atordoado. Acha humilhante o fato de ter perdido o controle tão facilmente frente à Vagabunda. Tentava manter-se firme o tempo todo, mas sem perceber levantou o tom de voz no meio da discussão e ele sabia que essas coisas sempre aconteceriam. Estava além dele, controlar-se perto dela. Foram dois minutos de conversa, no máximo, mas ele sabia que se decidisse prolongar uma conversa com ela, estaria perdido. Então tomado por uma raiva interior que guardava e escondia muito bem, falou:


_Ok, eu perdi. Vou até ali ouvir o blues de perto – enquanto falou isso passou pela Vagabunda desarrumando o cabelo dela, e ele sabia que, ninguémnunca havia tornado isso um gesto tão íntimo quanto eles dois no passado. Ele sabia que ela não resistia a isso. Passou, bagunçou o cabelo da Vagabunda com o cigarro na boca e deu as costas dizendo de longe – Até depois. Maldita. Até outra hora.


Ele prosseguiu até a mesa que estava vaga em frente ao palco minúsculo onde um homem branco tocava blues, com um violão, slide e gaita de boca. O som era competente, a voz do homem era ótima para cantar, não exatamente para o blues, mas estava tudo certo. O rapaz notava tudo isso. Também notou um grande esforço do homem para tentar fazer daquilo um blues de verdade. De fato dava para se passar por um blues, mas o homem branco sabia, bem como o rapaz, que aquilo não era profundo. O Rapaz também notou uma enorme falta de pegada naquele blues, então pensou “Porra, esse homem branco não deve ter sofrido nada nessas ultimas semanas. É só mais uma apresentação acústica por alguns trocados. Merda, isso não é um blues, isso é uma merda”.


Então o rapaz nota que alguém tira seu chapéu por trás e fala:
_Oi. De novo.

            

              PARTE 3



Então o rapaz nota que alguém tira seu chapéu por trás e fala:


_Oi. De novo.


O rapaz sentiu que a Vagabunda voltara e dessa vez parou ao lado de sua cadeira, ficando de pé, escorando o quadril magro em seu ombro.


_Veio atrapalhar a minha vida mais um pouco? – disse o Rapaz olhando para cima, mirando os olhos da Vagabunda.


_Você bagunçou no meu cabelo – disse a Vagabunda de forma que o Rapaz notou que algo havia acontecido de verdade, como previra.- Agora vai ter de me aguentar mais um pouco, até o Luciano chegar. – disse enquanto escorava-se com a mão na cabeça do Rapaz, amassando seu chapéu.


Ela olhava sorridente para o palco. Não estava olhando para o homem branco, nem para o violão, nem para a gaita, nem para a maldição das caixas de som. E para confundir a mente do Rapaz, o sorriso era definitivamente sincero. Notava-se que ela não olhava para nada, que estava com o pensamento longe. Quem sabe estivesse no passado dos dois?


Então o Rapaz alcança-lhe o copo de cerveja, oferecendo-lhe um gole. Os dois permaneceram de lado um para o outro. Não se olhavam, na verdade pareciam evitar isso. Ela estende a mão e pega o copo com o braço esquerdo sem tirar a mão do cabelo do Rapaz. Nesse instante ouve-se uma voz dizendo:


_Não tínhamos combinado que você não beberia mais? Legal não? Estamos recomeçando bem.


Era quem a Vagabunda esperava. Ela largou o copo na mesa, desencostou-se do Rapaz, e virou-se sem paciência para o terceiro. Dizendo:


_Olá, pega uma mesa para nós, vou me despedir dele.


Enquanto isso o Rapaz fica em silencia, sem se mover, olhando para o cara branco que tocava o falso blues, com o pensamento muito longe daquela merda falsa. “Quem porra esse cara pensa que é? Eu juro que nunca vou entender essa idiota”


_Tchau cara – diz ela, secamente, porém desapontada com alguma coisa – nos falamos outra hora espero.


_Adeus


_Adeus não, tchau.


_Tchau.


_Adeus. Nunca nos veremos mais.


_Você sabe que não é verdade. Você sempre aparece de volta para me atormentar.


_É verdade, eu acabo com a tua vida.


Então nessa hora o cara volta da mesa que escolhera e segura a Vagabunda pelo braço, puxando-a.


_Vamos logo! – disse de mau humor.


Ela sacode o braço se livrando da mão dele, mas segue-o sem discutir.



PARTE 4

           Era noite, por volta das 23:00 horas, o Rapaz se encaminhava para seu velho apartamento sujo, onde morava com seu amigo Bizarro. Bizarro era um cara u pouco... Bem, o nome já diz. Ele era confuso e criava uma galinha. Era uma confusão encantadora. Ele era O cara. Ele vivia escrevendo. Só fazia isso.
           Certa vez, andando perto de um beco escuro, presenciou um assassinato. O cara que morreu tinha uma maleta, antes de morrer estava ao telefone e falava:
         _Alô! Alô! É da polícia? Vão me matar, mas foi o cara que estará com a maleta!
O homem ao telefone recebeu algumas facadas. O ladrão olhou para trás e lá estava Bizarro, parado, fumando. Por algum motivo, o ladrão só fugiu, deixando a maleta para trás. Claro que é uma história mal contada, é horrivelmente mal contada, mas foi isso que Bizarro contou. Ele era péssimo em contar histórias. Em suma, ele ficou com a maleta cheia de dinheiro, se demitiu, e até então – havia já uns dois meses – vivia para escrever. Desorganizado, cheio de manias, um velho ranzinza, uma criança idiota. Ele realmente escrevia bem. Já o Rapaz, também gostava muito de escrever ele tentava, tentava muito, mas era uma droga, essa era a verdade.
          _Caaaara – disse o Rapaz, entrando no apartamento. – mulher é um bicho do demônio!
         _Sim cara, diga algo que eu não saiba – ele estava atirado ao sofá assistindo televisão.                    Provavelmente estava cansado partindo da visão que se podia ter: No chão, ao lado do sofá, havia vários copos descartáveis com restos de café e uma garrafa de rum. Também estava a máquina de escrever e um monte de papel amassado, rasgado e engasgado na máquina. – Algo que eu não saiba, cara.
          _Comi a sua mãe – disse o rapaz enquanto abria uma cerveja.
          _Disso eu já sei
          _Me desculpe. Cara, eu vou parecer um cara durão agora: Quase briguei com um cara.
          _Me parece mais um gay.
          _Eu sei. Droga, eu sou um frouxo. Devia ter destruído ele, ele era um covarde, no entanto eu fui um tanto covarde.
         _Cara, me traz uma cerveja?
         _Você é um inútil – disse o Rapaz se levantando e indo até a geladeira.
         _Eu sei, me perdoa cara. Mas me diz, o que houve?
         O rapaz atirou uma garrafa de cerveja para Bizarro, sentou-se novamente e disse:
         _Houve uma discussão idiota e um banho de cerveja no cara.
         _Você atirou cerveja nele? – Então Bizarro levantou-se, ficando sentado, demonstrando empolgação.
         _Sim cara, e era dos copos “masters”. - Disse o Rapaz mostrando a medida do copo com a mão.
         _Tá bom, tu é O cara então, nem precisava ter batido nele.
         _Sabe como é. É como um muro. Eu sei que agi muito melhor sem ter começado uma briga, eu tenho total consciência disso. O cara nem sabia o que falava direito. É um néscio. Uma porta. Mas eu gostaria de não pensar tanto às vezes. Aposto que teria doído muito menos, se eu tivesse socado a cara dele, do que socar esse muro que, sempre que acabo agindo de maneira sensata, tenho que socar, pra me acalmar e engolir os fatos.

     
          PARTE 5


       _Você tem que relaxar.
       _Não. 
       _Ok. Não. Vai lá e pega ele. É isso que você vai fazer?
       _Não.
       _Então? Relaxa.
       _Ok.
       Terminaram de beber suas cervejas em silêncio. Pegaram mais uma cada um e foram até a sacada fumar alguns cigarros, também em silêncio. Nesse momento o Rapaz pensava sobre sentimentos e banalidades como, amor, paz, alegria, tristeza, ódio, vida...
       “O amor é como o cigarro. Desfrutamos um pouco dele, mas sempre se esvai nos deixando um gosto ruim.”
        “A alegria é um copo de bebida praticamente vazio. Uma bebida deliciosa, mas que está sempre pelo último gole. Acaba rapidamente. O mais bizarro de tudo isso, é que sempre nos passam o copo quando esse está praticamente vazio”.
         “O ódio, no entanto, é durador, está sempre comigo. Não me esqueço das feridas passadas ou das punhaladas de amor. Meu fígado ainda sente pelas noites a fio que passei bebendo rum direto da garrafa, tentando ser forte, tentando provar a mim mesmo que nada daquilo era importante. Não me esqueço do final de cada noite, na sarjeta, como não me esquecerei dos amigos que tive ao meu lado.”
         “A intenção era esquecê-la. Ou pior, creio que sempre soube que não iria esquecê-la, independente do que fizesse e mesmo assim me atirei no mar de álcool, me enganando, tentando acreditar que aquilo me traria paz. Dias difíceis. Noites frias.”
          O Rapaz, apesar de todo aquele sentimento de ódio não era uma pessoa rancorosa de verdade. Não desejava o verdadeiro mal às pessoas. Não guardava uma mágoa para vingar-se depois. Já não acreditava mais em vingança. A única mágoa que guardava, era a que apodrecia seu coração e lhe havia transformado em uma espécie de monstro. Mas vou frisar: Ele era um monstro apenas no tocante ao amor. Ele só guardava uma mágoa profunda. Uma apenas.
          No passado havia desejado a vingança. Uma vingança moral, uma vingança deteriorante, a qual fizesse uma espécie de massagem em seu ego. Tudo o que queria acabara acontecendo. Algo mudou dentro de seu peito? Não. Continuou o mesmo idiota chorão que lembrava de coisas erradas nos piores momentos, e depois descontava todos seus problemas sentimentais privando-se de qualquer regalia emocional.


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